quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Descendo o Parnaíba

*obra "Nebulosas" de Antônio Chaves, 1916.

Nas águas, vê que límpidas bonanças...
Que verde o destas árvores florindo!
Parece o verde dessas esperanças
Que em nossos corações brotam sorrindo.

Como as almas sonâmbulas e mansas
Dos lírios virginais que estão dormindo,
Quantas almas de cândidas crianças
Há nas estrelas que vêm surgindo!

Tú és um quadro desta Natureza!
Minha alma, ao ver em ti tanta beleza,
De ti somente se tornou cativa...

Sem sol a flor sucumbe, morre a planta...
Dá que eu sinta, portanto, ó minha Santa,
O sol do teu amor! Faze que eu viva!


quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Amarante

A minha terra é um céu, se há um céu sobre a terra:
É um céu sob outro céu tão límpido e tão brando,
Que eterno sonho azul parece estar sonhando
Sobre o vale natal, que o seio à luz descera...

Que encanto natural o seu aspecto encerra!
Junto à paisagem verde, a igreja branca, o bando
Das casas, que se vão, pouco a pouco, apagando
Com o nevoento perfil nostálgico da serra...

Com o seu povo feliz, que ri das próprias mágoas,
Entre os três rios, lembra uma ilha, alegre e linda,
A cidade sorrindo aos ósculos  das águas.

Terra para amar com o grande amor que eu tenho!
Terra onde tive o berço e de onde espero ainda
Sete palmos de gleba e os dois braços de um lenho!


(Da Costa e Silva, Zodíaco, 1917)

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Amor

de H. Dobal

NA CALMA DA TARDE
VEM UM PENSAMENTO.
PARTIR PARA SEMPRE.
SÓ. NO ADEUS DO VENTO.

VÃO AS VELAS CÔNCAVAS
SOBRE O MAR ABERTO
VÃO LEVANDO O AMOR
AO DESTINO CERTO;

TURVA CALMARIA
AFUNDA O VERÃO.
NAUFRAGADO AMOR.
O AMOR É SOMENTE
UMAS DESSAS COUSAS
QUE VÊM E QUE VÃO.


sábado, 1 de junho de 2013

Let´s Play That


     autor: Torquato Neto
quando eu nasci
um anjo louco muito louco
veio ler a minha mão
não era um anjo barroco
era um anjo muito louco, torto
com asas de avião
eis que esse anjo me disse
apertando a minha mão
com um sorriso entre dentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
vai bicho desafinar
o coro dos contentes
let´s play that

         (musicada por Jards Macalé,
            from Os últimos dias de paupéria, 198
2)

sexta-feira, 31 de maio de 2013


     autoraHelena Ortiz
não peça o céu somente
peça
a terra inteira
e águas onde nus
os anjos poderão despir-se
de suas asas
peça a túnica
a faca a mesa posta
e a resposta
o dado
o risco do bordado
arco e flecha do silêncio
pelas asas do vento
um dia quem sabe você prove
magia da palavra sem mordaça
não peça o céu somente
peça mais


À PROCURA


     autora: Joana Maria Guimarães 

o sol
da meia-noite encontra
o pescador
debruçado à mureta
com olhar aceso
pesquisa
águas revoltas:
peixe-palavra
enguia serpenteia
imprevisível
em outro mar faz a desova

quinta-feira, 30 de maio de 2013

SANATÓRIO


    autora: Joana Maria Guimarães

da memória salta o rosto:
olhar liso
riso oblíquo

é o irmão
a dar adeus atrás
                 das trincheiras
                                           

quarta-feira, 29 de maio de 2013

O HOMEM E A PEDRA


autor: Hélio Soares Pereira

A pedra permaneceu intacta
      na velha estrada
           até o dia
                 em que o homem
                         tropeçou nela
e enfurecido
      resolveu jogá-la
              no fundo do rio

A pedra permaneceu intacta
      no fundo do rio
             até o dia
                    em que o homem
                          precisou de areia e pedra
                                 para construir sua morada

                          (Do livro: Eclipse da Mente. Gráfica Valci Editora.
                                                          Brasília, DF, 1998)

terça-feira, 28 de maio de 2013

canto a vênus


autor: Italo Cristiano


                                      entre tempestades de fogo
arrebato minha lança ao vento
pêlos bordéis onde encontrei teus cachos
soltos - onde aponta teus seios
à beira, de rio e líquido pútrido
em vida sobre pedras centenárias
és escrava, puta dos versos incrustados
                                                no barro do teu lar
és Vênus em teu castelo de homens
                                                de peixes
e redes apinhadas ao sol
no couro curtido da tua pele
no salitre dos lábios férvidos
não sou mais deste sonho perdido
à memória - sou presente e vivo
encravado em teu umbigo - tenho sede
não de água, posto que animal no cio
mas do teu hálito de coisa bruta
e viva
das tuas ancas
em meu altar de miséria
e poesia
coisa da terra
seca
eu te deserto
e aporto meus versos
em teu ventre

TERESINA


    
     autor: Hélio Soares Pereira

Hoje eu te contemplei
     na fantasia
           dos meus olhos

E te senti
     no calor da terra solta
           de minha infância

E subi
     nas tuas árvores verdes
           de minha juventude
         
E te molhei
     na água filtrada
           de minha saudade

                                      (Do livro: Onde o Horizonte vem Esconder-se...
                                         Ed. Esteio. Brasília, DF. 1982 )

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O PENSADOR MODERNO


    autor: Hélio Soares Pereira

O laço da opressão
  espremeu a fome
     e da multinacional
        veio o aborto

O pensador moderno
  - controle-remoto
      piscou os olhos
         num curto-circuito
            e viu o pensamento
               reprimido
                  contraído
                     corrompido

Então
   chegou o eletricista
      e colocou
        no pensador
           olhos novos
              importados

                                (Do livro: Onde o Horizonte vem Esconder-se....
                                  Ed. Esteio. Brasília, DF. 1982)

domingo, 26 de maio de 2013

VISÃO DO RIO PARNAÍBA


    autor: Francisco Miguel de Moura

(Com o perdão de Da Costa e Silva, o maior dos poetas piauienses).

Parnaíba, te vejo intensamente,
na dor de “velho monge” resignado,
a dar vida, prendido na corrente,
a derramar-te ao longe, e fatigado.

No rijo dorso levas, noite e dia,
lendas, canoas, barcos, pescadores.
E em cada braço, a verde ramaria
enfeitada de rendas e de cores.

Sem bordão, sem rosário, sem vaidade,
desafias o sol, a areia ardente,
abraçando cidade e mais cidade.

Nessa faina, ora calma, ora inquieta,
Humildemente, carismaticamente,
Cantas do canto que cantou o poeta. 

sábado, 25 de maio de 2013

A INSÔNIA DO MAR (excertos)


     autor: Everaldo Moreira Veras
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
Já estou completo:
dores,
amores,
temores.
Não me acrescente:
no túnel não sobra
lugar para nada.
O vão se abriu e a chaga fechou
(por favor, não mexa aí).
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
Entregue tudo aos outros
(eles não sabem quem são)
e dependem
e sofrem
e não sentem que sofrem.
Entre todos divida o meu:
em cada prato mais pão,
em cada copo mais vinho.
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
Reproduza amanhã
a ceia que vi ao meu redor, hoje.
Transforme o instante
em longa vida,
garantindo luz
e eternizando gestos.
Quero o riso, a alegria e a festa.
Também a mesa farta e grávida.
Faça-se daquele jeito e mais.
Repita-se a noite e sempre.
Cante-se o hino e a prece.
Mas,
Oh, Deus, não reserve nada para mim!
Nesse tempo,
eu mesmo não mereço:
porque o mínimo (embora pouco)
seria injusto.
Oh, Deus, não reserve nada para mim!


*   *   *

Amanhã, certamente morrerei.
Porque logo cedo, hoje, o sol brilhava
e o vento chorava.
Então, refiz o corpo
(a minha carcaça),
muitos parafusos
foram fixos e ajustados.
(Os outros continuam frouxos,
Impossível o reaperto)
Saí por aí
cumprimentando as pessoas,
elas em busca do amor e do encontro.
Eu, não.
Me dominava a certeza
de que eu seguia
a direção especial nortedeusmente
indicada pela luz e
pelo relógio da catedral.
As folhas me contaram estórias
acontecidas ontem de madrugada.
Ignorei-as,
afinal não me interessava
o ruído da máquina esquisita
que não me deixou meditar.
Vi
a paz falsa e retilínea
me abraçando.
Por isso: prepare-se o mundo,
todo cuidado é pouco,
pois estou disposto a tudo.
Afinal de contas, estou bêbedo e
hoje, segundo dizem, é feriado nacional.


*   *   *

 Vou fabricar com as mãos
os poemas.
Escolherei as mais duras palavras,
somente aquelas
que possam destruir
a impassível estátua de pedra
A canção perfeita nascerá,
porque há desordem
ao redor dos homens, nas ruas.
Rasgarei papel e
prepararei tintas
para jogar
contra os olhos dos fantasmas
coxos e cegos.
Ninguém descobrirá
que a produção é humilde:
o demônio contrito a rezar,
pensando
que também
é
filho de Deus.
Ainda não sei quando recomeçarei
a tarefa atormentada de colorir idéias
do jeito que os homens organizam
um banquete para muitas pessoas.
Vou fabricar com as mãos
os poemas.
Não posso garantir o local exato:
sei que está no interior
a dor
(o amor?),
que me perturba e
me persegue.
Logo que o dia desceu da carruagem,
Adivinhei:
Manhã? Tarde? Noite?
Eu sabia: noite, sim,
porque somente
o
escuro protege o que verdadeiro
é.
Agarro
o que me percorre
como o vento,
eis a primeira perdição.
As luzes cochilam, tremendo
frente ao inimigo
sozinho descansando
(eu mesmo).
Não há possibilidade
de a crise diminuir.
Estou à procura do remédio,
o peito segura e esconde a angústia.
Infelizmente,
o motim é do lado esquerdo.
(E lá, não tenho nenhuma ingerência!)


Extraídos de VÉRAS, Everaldo Moreira.  A INSÔNIA DO MAR.  Recife: Edições Sarev, 1999.  102 p.

AUTO-APRESENTAÇÃO


      autor: Elmar Carvalho
eis como sou
            neste instante único
            (após o qual já
            serei um outro):

um homem que rema
           no seco contra
            a corrente das águas

um homem que usa
            a gravata como
            se fora um baraço
            nas horas de opressão

 um homem que escreve
            torto por
            linhas certas

um homem que sobe
            e teima contra
            a lei da gravidade

             eu sou aquele
que aprendeu
a pecar para
ter a humildade
de não ter uma
virtude

            eu sou aquele
que jogou roleta
russa com o tambor
cheio de balas e
apostou contra a
sorte
      
           eu sou aquele
            que lutou para
            não ser

sexta-feira, 24 de maio de 2013

CANDELABRO


     autor: Diego Mendes Sousa

Dói-me o peito
Queima-me a alma
                            esta solidão reclusa

Não por querer viver
             nesta orla-névoa
       albicante como meu rosto

Se por medo da morte

Se por medo da perda
desta vida sob velas

Uma noite...

... Não serei solidão

não serei solidão
                         quando o candelabro
                                   for sereno
                                                  ao apagar-se

quinta-feira, 23 de maio de 2013

CHICO VAQUEIRO DO MEU PIAUÍ


                 autora: Alvina Gameiro
         VI

         O Vaqueiro de pé, tem ares de um vigia,
         erguido no terreiro, amarrado à magia,
         de um sonho fascinante, eivado de poesia...

         Em palor o clarão da tarde se resume;
         já começa a dançar no espaço o vaga-lume;
         as estrelas no céu acenderam seu lume
         até que o dia surja entre os braços da aurora.
         Diáfana beleza empolga o campo a fora
         e o concerto do vento está parando agora.

A noite vai tomando o coração da mata;
a gentil açucena em néctar se desata.
Apenas, no silêncio, há notas de sonata,
que os sapos, em mil sons, rouquejam sem parar,
pois têm cada vivente em meio de saudar,
mostrando aos corações um jeito de agradar...

O esplendor do luar, que mais e mais fulgura,
de prata banha inteira a máscula figura,
tão imóvel que até nos lembra uma escultura
de guerreiro lendário ou místico profeta...
É que o Vaqueiro escuta em meio à noite quieta,
sua alma que se dá a cantares de poeta...

Tem BA boca apagado o coto do cigarro;
ouve atento o cri-cri desse grilo bizarro,
cantador do gramado ou da frincha de barro,
e lhe vem à cabeça a existência suprema
de um Deus que fez o amor, que da vida é o emblema,
como a rima de luz é a essência de um poema...

Falando à Natureza, ele pergunta apenas,
por que foi que o <> molhou com tantas penas
as delícias do amor nas estradas terrenas?
Com que fim acordou a estranha comoção
que sente sem querer, tomar-lhe o coração
e é misto de prazer e de atribulação?!...

E Chico sabe, sim, que este amor vinga e cresce
e se o tenta esconder, tanto mais aparece
e quanto mais na sombra, então, é que floresce...


XI

Quando o inverno chegou, alastrou-se a fartura;
o campo se cobriu inteiro de verdura,
e a chuva que fecunda a terra e a planta cria,
no peito pastoril, desabrocha a alegria.

E chove sem parar, e chove noite e dia.
a lavoura crescida ao toque da invernia,
rebenta em floração, e os imensos trançados
cobrem de jitirana as cercas dos roçados.
Emboneca-se o milho, o arrozal cacheia,
e de grandes melões a roça se faz cheia,
maxixe e melancia estendem cabeleiras
na estrada que ficou entre os seios das leiras.

Os rio colossais a essa hora já transbordam
sobre várzeas sem fim, onde as reses engordam.
Há lagoas brilhando entre o verde capim,
e reúnem-se ali, em perene festim,
comendo a trabalhar, pássaros ribeirinhos,
para o ninho fazer e esperar os filhinhos,
mostrando, na lição, a sábia Natureza
que antes da geração se faz o abrigo e a mesa.

Na alcatifa do campo há milhares de flores
desiguais em tamanho, em feitio e nas cores;
é a toalha pintada em estilo divino,
a dizer o <>, na grandeza do ensino,
que não fez distinção semeando os engodos,
no banquete do mundo onde o assento é de todos,
e do néctar do amor, que é o pólen da criação,
Deus serviu a toda a alma um brinde de emoção.

Que beleza é a pupila azul do firmamento,
lacrimejando amor, vazando o juramento
do verde que em fartura espraia, nasce e cresce
no campo, nos vergéis, na caatinga e na messe!...
        

XIV

E junho veio enfim, e como ele a moagem,
o ruído do engenho e as cheirosas tachadas.
E junho veio enfim, concedendo a hospedagem
aos que costumam vir brindar as vaquejadas.

Convidam-se ao redor, os vizinhos amigos,
e os vaqueiros que vêm testar a valentia.
Agregados se dão ao preparo de abrigos
Que vão dar cobertura aos heróis da porfia...
Entrega-se à alegria o povo da Fazenda.
Há latidos de cães no paio da morada
e os homens conversando, enquanto armam a tenda,
põem-se a rememorar casos de vaquejada.

Adiante, esfolam bois para fazer tassalhos
e o machado golpeia, enquanto o facão talha.
Na cozinha, onde alguém resmuninha  entre ralhos,
rude não de pilão, sobre a paçoca, malha.
E do forno de barro, arrastam cinza e brasa
para enfiar ali, muitas flandres de bolo:
cariri, caridade, e os sequilhos de casa,
pamonha, manauê, a peta, o engana-tolo.

Visitas da cidade os carros vêm trazer.
Chega o compadre branco e também chega o preto,
que as honras têm iguais no trato a receber,
e a carne vai servir aos dois no mesmo espeto.
Feliz o fazendeiro, exige na festança
tudo que há de melhor, fartura sem rival,
porque sempre viveu e vive na abastança,
que tributar desvelo é dom patriarcal.

E junho se derrama, alegrando as Fazenda
como o dinheiro do gado após a apartação,
transportando o Divino, a colher oferendas,
trazendo o boi-bumbá na festa de São João.

Fortaleza:  Editora Henriqueta Galeno, 1971