Literatura Piauiense


ORIGEM E FORMAÇÃO DA LITERATURA PIAUIENSE

               Antonio Cândido em formação da Literatura Brasileira: momento decisivos afirmam que a literatura brasileira só se tornou um sistema literário em 1780(século XVIII), a partir do surgimento dos árcades mineiros. Todos os autores e obras anteriores, incluindo Gregório de Matos e sua poesia barroca, o crítico considera como manifestações literárias.
               Qual seria a diferença entre manifestações literárias e sistema literário?
               Para Antonio Cândido, são consideradas manifestações obras literárias desarticuladas entre si, nascidas do gênio individual dos autores ou por influências de outras literaturas. A noção de sistema literário se fundamenta no tripé: autor-obra-público. Para haver um sistema literário é preciso, além de um conjunto de obras, contar com um conjunto de produtores conscientes de que estão fazendo literatura para um conjunto de receptores ou destinatários, ou seja, o público que vai receber as obras. O sistema literário pressupõe uma tradição ou uma continuidade, no dizer de Antonio Cândido, uma espécie de tocha que é passada de uma geração para outra.
               No Piauí, podemos considerar "manifestações literárias" as obras publicadas até o final do século XIX. Por quê?
               As obras de autores piauienses publicadas até o século XIX foram impressas fora do Piauí, seus autores, quase sempre, visavam atingir outro público que não o Piauiense, pois eles próprios estavam integrados a outros meios sociais. É o caso de Poemas de Ovídio Saraiva, 1808, Coimbra; Flores da Noite, de Licurgo de Paiva, 1866, Recife; Chicotadas, Félix Pacheco,1897, Rio de Janeiro; Cantigas, de Thaumaturgo Vaz, 1900, Manaus, Ânforas e Uhlanos, de Jonas da Silva,1900 e 1902, Rio de Janeiro. Na prosa encontramos Ataliba, o vaqueiro, Francisco Gil Castelo Branco, 1880, Rio de Janeiro.
               Há outros casos peculiares, como a publicação póstuma de Impressões e gemidos, de autoria de José Coriolano, impresso na cidade de São Luís, por iniciativa de familiares e amigos do poeta. É semelhante a situação de A harpa do caçador, de Teodoro Castelo Branco, de 1884, também impresso na capital maranhense e que não teve praticamente circulação, no Estado do Piauí. Sobre a distribuição do livro, é significativo o comentário de um contemporâneo do porta, o escritor Clodoaldo Freitas.
               A Harpa do Caçador foi publicado em 1884, mas o poeta, um verdadeiro descuidado, não fê-la correr mundo. Ninguém teve notícia do livro que ficou entregue às traças, num canto de qualquer armazém. Os poucos que o leram, com a maior injustiça, não renderam público e merecidos elogios ao autor.
               Ainda na categoria de manifestações, podemos apontar as obras de autores que viveram no Piauí e participaram da vida social da Província, como Leonardo das Dores Castelo Branco, cuja obra Criação universal, de 1856 (impressa no Rio de Janeiro) é considerada, por alguns críticos como a obra fundadora da literatura piauiense. O primeiro crítico a apontar a Criação universal, como obra inaugural da nossa literatura foi Lucídio Freitas:
               A nossa história literária data precisamente do meado do século passado, sendo Leonardo das Dores Castelo Branco o primeiro poeta de valor que possuímos.
A poetisa Luísa Amélia de Queirós Brandão fez imprimir seus dois livros em São Luís do Maranhão, o primeiro Flores incultas é de 1875, o segundo Georgina ou os efeitos do amor, de 1893. Lembramos ainda uma obra bastante conhecida até hoje, A lira sertaneja, de Hermínio Castelo Branco, impressa em Fortaleza em 1887.
               O que essas obras têm em comum, além do fato de seus autores terem nascidos no Piauí? Existe uma organicidade entre elas? Seus autores tinham intenção de fazer uma literatura de "expressão piauiense? O destinatário dessa literatura era o público local?
               Pode-se afirmar que as manifestações literárias piauienses iniciadas a partir de 1808, com Poemas, de Ovídio Saraiva, contaram com um pequeno grupo de autores, poucas obras publicadas, de forma esparsa, e praticamente sem leitores no Piauí. A formação de um público de leitores, virtuais destinatários de uma literatura piauiense, só foi iniciada a partir das primeiras edições locais, nas primeiras décadas do século XX, quando se deu, simultaneamente, o surgimento da crítica literária, graças ao significativo desenvolvimento que a nossa imprensa passou a Ter naquele momento. Igualmente decisivo foi o progresso da educação, ampliando a população alfabetizada e conseqüentemente o número de leitores. Soma-se, ainda, o surgimento das primeiras tipografias em Teresina, o que propiciou a publicação de livros em âmbito local, bem como a edição de revistas literárias, que abrigaram os primeiros textos da crítica.
               Para nós, o sistema literário piauiense passou a funcionar no início do século XX, quando os autores integrados à vida cultural do Estado, reuniram-se com a intenção de criar uma literatura de expressão piauiense. Esses mesmos autores passaram também a exercer a crítica literária através da imprensa. As obras passaram a Ter mais repercussão. Criaram-se até mesmo polêmicas em torno delas, através do periódicos. Por outro lado, as tipografias comerciais imprimiam aqui mesmo os livros e revistas literárias, o movimento cultural cresceu, passando e existir o anseio de construção de uma identidade literária para o Piauí.
               Acreditamos que as obras da primeira década do século XX são exemplares quanto ao que preconiza Antonio Cândido a respeito de sistema literário, pois a produção, publicação e recepção dessas obras no território piauiense mostram que os elementos essenciais para o funcionamento desse sistema estavam consolidados. Havia autores, produzindo conscientemente uma literatura para o público local que, por sua vez, dava uma resposta, adquirindo o livro, lendo, comentando, influindo para que a obra repercutisse no meio social.
               Dessa fase destacamos as seguintes obras: Solar dos sonhos, de João Pinheiro, 1906; Sincelos, de Jônatas Batista, de 1907; Ode a Satã, de Alberto Peregrino, de 1907 e Almas irmãs, parceria entre Antonio Chaves, Celso Pinheiro e Zito Batista, também, de 1907. Na prosa apareceu, no período, o primeiro romance: Um Manicaca, de Abdias Neves, de1909.
               O primeiro livro de contos da nossa literatura só apareceu no início da década seguinte, trata-se de À toa - aspectos piauienses, de João Pinheiro, publicado em 1923. A consolidação do sistema literário piauiense, nos anos vinte, coincide com o momento de ruptura do sistema literário brasileiro, instaurado a partir da semana de Arte Moderna de 22. O autor que melhor representa o período de formação e consolidação do sistema literário do nosso Estado é, sem dúvida, o Poeta Da Costa e Silva, cuja obra abrange as três primeiras décadas do século XX, começando em 1908, com Sangue e culminando com Verônica, de 1927.