quinta-feira, 9 de maio de 2013

Canção da Morte

           autor: Da Costa e Silva
Tenho uma noiva: é Dona Morte.
Meu casamento vou fazer,
Longe do mal,
da humana sorte,
 Lá, num castelo augusto e forte Do Reino Eterno do Não Ser.
Entre responsos e entre salmos,
 Há de florir meu coração
 Em sonhos bons, desejos almos,
 No leito real dos Sete palmos,
 Nas cinco tábuas de um caixão.
Me morda os trapos da epiderme
Quando eu dormir, tranqüilo, inerme,
Quero que a noiva, dentre o pó,
 Penso num deus somente – o Verme,
 Que não respeita um só, um só.
Nas sensações do nosso enleio,
 Bródio carnal de lama e pus,
 Quero senti-la no meu seio,
 Nessa lascívia que há no anseio
Vago dos braços de uma cruz.
A cova é o Exílio dos Exílios,
 Princesa Real do Nunca Mais,
 Ó morte, almejo os teus cílios
E tenho instintos canibais.
Do mundo vão, gozo instantâneo
Correndo-o todo, em procissões
Sim; que o teu ninho subterrâneo
É o desafogo das paixões
 Ah! Quero os vermes no meu crânio
Cega-me o amor dos cemitérios,
 Surgindo, em chamas, do Paul,
Nos fogos-fátuos, nos sidéreos
Clarões de amores deletérios - Beijos de Luz,
 Volúpia Azul.
No som da enxada do coveiro,
 Acha a mais bela das canções
 Meu coração, que é carpinteiro
 E faz caixões o dia inteiro,
No funeral das ilusões.
Do vento a rir e a soluçar
Sob um dossel de casuarina
E ciprestais, quero noivar,
 Ouvindo a música divina
 Das folhas mortas e a surdina
Quando o luar meus frios ossos
 Ungir de névoa e de palor,
 Há de ninar os meus destroços,
 Mamãe rezando Padre-Nossos,
 Olhos boiando em luz e dor.
Queixo amarrado e de pés juntos!
E o novo amor, novos assuntos,
 Morte, nos há de oferecer.
 Que bons amores de defuntos,
 Amor melhor não pode haver.
Minha caveira a rir, a rir
Que o nosso tálamo bendito
Traduza as leis do meu sentir:
 Seja este amor todo o meu rito,
Mostre este gozo, almo, infinito,
Nihil!
Rouba-me a vida amarga, insana,
Morte imortal, noiva gentil!
Prefiro a noite do Nirvana
À fátua e irreal
Vaidade Humana
       obra: Sange

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