Tenho uma noiva: é Dona Morte.
Meu casamento vou fazer,
Longe do mal,
da humana sorte,
Lá, num castelo augusto e forte Do Reino Eterno do Não Ser.
Entre responsos e entre salmos,
Há de florir meu coração
Em sonhos bons, desejos almos,
No leito real dos Sete palmos,
Nas cinco tábuas de um caixão.
Me morda os trapos da epiderme |
Quando eu dormir, tranqüilo, inerme,
Quero que a noiva, dentre o pó,
Penso num deus somente – o Verme,
Que não respeita um só, um só.
Nas sensações do nosso enleio,
Bródio carnal de lama e pus,
Quero senti-la no meu seio,
Nessa lascívia que há no anseio
Vago dos braços de uma cruz.
A cova é o Exílio dos Exílios,
Princesa Real do Nunca Mais,
Ó morte, almejo os teus cílios
E tenho instintos canibais.
Do mundo vão, gozo instantâneo |
Correndo-o todo, em procissões |
Sim; que o teu ninho subterrâneo
É o desafogo das paixões
Ah! Quero os vermes no meu crânio
Cega-me o amor dos cemitérios,
Surgindo, em chamas, do Paul,
Nos fogos-fátuos, nos sidéreos
Clarões de amores deletérios - Beijos de Luz,
Volúpia Azul.
No som da enxada do coveiro,
Acha a mais bela das canções
Meu coração, que é carpinteiro
E faz caixões o dia inteiro,
No funeral das ilusões.
Do vento a rir e a soluçar |
Sob um dossel de casuarina
E ciprestais, quero noivar,
Ouvindo a música divina
Das folhas mortas e a surdina
Quando o luar meus frios ossos
Ungir de névoa e de palor,
Há de ninar os meus destroços,
Mamãe rezando Padre-Nossos,
Olhos boiando em luz e dor.
Queixo amarrado e de pés juntos! |
E o novo amor, novos assuntos,
Morte, nos há de oferecer.
Que bons amores de defuntos,
Amor melhor não pode haver.
Minha caveira a rir, a rir |
Que o nosso tálamo bendito
Traduza as leis do meu sentir:
Seja este amor todo o meu rito,
Mostre este gozo, almo, infinito,
Nihil! |
Rouba-me a vida amarga, insana,
Morte imortal, noiva gentil!
Prefiro a noite do Nirvana
À fátua e irreal
Vaidade Humana
obra: Sange
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